26.11.06

Recordações de Vizela-António Figueirinhas-Porto 1901



O EDIFÍCIO DOS BANHOS

"Foi só passado dois dias que eu me resolvi a visitar o edifício dos banhos, como quem apela para uma verdadeira diversão no meio de impressões tão doloridas.
O edifício dos banhos de Vizela é deveras monumental pela sua extensão, pelas comodidades que os banhistas encontram por toda a parte e muito pelo excelente director o sr. dr. Abílio Torres, homem de estatura meã, magro e vivo, que cativa todos que com ele tratam, porque desde logo admiram naquele primo­roso cavalheiro a mais fidalga educação e um verdadeiro talento profissional. Ê um bom na acepção mais lata do termo. O seu nome nunca será esquecido em Vizela porque vive no coração de todos. Os pobres adoram-no.
Percorrendo o vasto corredor que por assim dizer divide o edifício em duas partes completamente iguais, eu não sabia que mais admirar, se a profusão de todos os aprestes indispensáveis, se a divisão perfeita e cómoda dos compartimentos, se o poder das máquinas, a perfeição e solidez das canalizações e além disto um pessoal inteligente, urbano, tratável sempre, e sempre desin­teressado.
É forçoso confessar que no meio das muitas tristezas, se em parte não eram decepções, me fez bem pensar na existência de pessoas tão bondosas como diligentes, muito cônscias dos seus deveres, sem o menor abuso ou a menor irregularidade a man­char-lhes o irrepreensível método de trabalho, que não poucas vezes em casas similares vale quase tanto para os enfermos como a benéfica influência das águas.
O edifício dos banhos tem em volta de si um vasto largo arbo­rizado onde eu vim respirar depois da travessia por todas aquelas divisões e instalações e, nesse largo, encostado a uma velha árvore frondente, ainda nos ouvidos as palavras cariciosas e afectuosas do ilustre director mais assentei em que nem tudo no mundo é mau, em que nem sempre a vida é uma série de encruzilhadas sinistras onde só nos aparecem monstros e espectros, finalmente em que através da nuvem de lágrimas que por vezes ensombram a felicidade da terra, se não fulge o sol dum júbilo absoluto, cin­tila docemente o luar duma consolação gostosa e benéfica".

18.11.06

Recordações de Vizela - António Figueirinhas - Porto 1901


A Ilha dos Amores (Fim)

Procuraram, por muito tempo, a princesa, mas debalde, e já o príncipe dava mostras de completo desespero, quando o anão, sorrindo, observou:
— Só eu a posso descobrir, e contudo, nunca a vi.
— Tu?
— Uma preciosidade dessas não vive em casa, como nós. Há-de viver em algum ignorado paraíso, onde espera um homem que seja bem digno do seu amor.
— És tolo...
— Pois sim. Mas siga-me.
Então o anão subiu às alturas de Barrosas e pôs-se a examinar bem o horizonte.
Momentos depois, exclamou:
— Já sei!
E apontava com o dedo, comovidamente.
— Já sei; é ali, na Ilha dos Amores. Em parte nenhuma, como naquele sítio, a verdura tem uns tons de doce brilho e frescura. É ali. Parece que a oiço falar, ou antes, cantar, como irmã das espumas e das flores, que ela deve de ser.
E desceu, seguido pelo príncipe.
Efectivamente, a princesa lá estava na Ilha dos Amores, pen­teando os seus cabelos d'oiro e cantando tão bem, que a sua voz se confundia com a dos rouxinóis.
E, apenas os avistou, levantou-se vivamente, e com grande alegria, bradou:
— Obrigada, príncipe, obrigada!
Julgou o estrangeiro que o festejava pela sua visita e, assim, renovada a sua vaidade, curvou-se para ela muito desvanecido, mas a bela menina, os olhos muito brilhantes, tomou a mão direita do anão e exclamou:
— Obrigada, príncipe, por me trazeres este belo mancebo!
— Como?! rugiu o príncipe, furioso. Chamais belo a este monstro?!
— Belo, encantador, divinal! Veja que grande alma se não lê nestas feições! Que modéstia natural! Que coração delicado e puro!
E a formosa princesa atraiu para si, com transporte, o anão e beijou-o na fronte, com entusiasmo.
O anão estava enleiado e confuso, mal podendo fitá-la, e o príncipe, então, começou a chorar de desespero.
Mas a princesa tantos beijos deu na fronte do pobre anão, que este de repente, cresceu; as faces desenrugaram-se e branquearam; os olhos ganharam uma cor bela e doce; a boca, fez-se graciosa e pura; e uma formosura enorme, finalmente, substituiu, de súbito, tanta miserável hediondez.
Assim formoso, porém, a sua modéstia natural era o que nele continuava a brilhar mais, pelo que a princesa exclamou, trans­portada de alegria:
— Hás-de ser tu o meu esposo!
O príncipe estrangeiro então levou de repente, a mão à espada e, num gesto furioso, fez o sinal de matar o seu rival.
Suplicava-lhe ela que o poupasse, mas ele, cada vez mais cego de furor, não atendeu e levantou a espada à altura da cabeça, despedindo um grande golpe.
— Ai! príncipe!
Este queixume, que foi muito dolorido, soltava-o ela, porque a espada do desesperado fendera, ao mesmo tempo que o anão, a graciosa cabeça da linda menina, e o assassino viu, com espanto, que as suas vítimas ficaram enlaçadas, e, começando a reparar mais, viu ainda que estavam convertidas em plantas.
Veja, meu senhor. São estas duas árvores a que me encosto. Não vê bem esta, forte, grossa, cheia de flores e folhas, enlaçada por esta mais fina, que sobe pela outra acima, muito delicada e perfumada?


Pois a árvore mais forte dizem que é o anão, e esta, muito bonita e voluptuosa, a cingir o tronco da companheira, dizem que é a linda princesinha.
Estas árvores também definham, mas logo aparecem na pompa
das folhas e das flores. Os passarinhos fazem aqui os seus ninhos e cantam muito e muito. Agora, o príncipe estrangeiro...
— Morreu de remorsos? perguntei eu, deveras interessado.
— É essa pedra, cheia de musgo, em que o senhor está sentado. Apenas viu os dois, em mudança tão grande, fez-se pedra e ali está defronte das duas árvores, cheia de musgo, fria, como uma coisa desprezível e calada.

17.11.06

Recordações de Vizela - António Figueirinhas - Porto 1901

A ILHA DOS AMORES

(…) Conhece a Ilha dos Amores, aqui de Vizela?

A Ilha dos Amores é uma das preciosidades mais deliciosas de Vizela.
Ali nota-se a frescura encantadora, em verdes matizes de eterno veludo suave, que parece constantemente orvalhado pelos aljofres mais cintilantes. Fica na baliza do rio navegável, como um braço fantástico à tona de espumas divinas.
Por ali a vegetação é luxuriante e vetusta, tão alto se elevam as copas daquelas árvores alterosas e opulentas, coroadas de miría­des de flores e folhas variegadas, as raízes tenacíssimas e perfurantes, parecendo suster o solo, com os seus mil braços entrecruzados, à tona das águas deslizantes e cantantes.
As sombras daquela pequena floresta sagrada, onde há surpre­sas duma delicadeza subtil, têm caprichos que lembram bosquejos de sonhos muito doces, muito íntimos, cortados de paixões sere­nas e sadias, de emoções vivas, puras, aromáticas, das que vêm do coração à procura de muitos corações generosos.
E, para que nada falte à Ilha dos Amores, lendas adoráveis e na sua maior parte alentadoras, coroam o belo recinto duma carícia meiga e doce.
Uma delas, porém, é triste como os visos da serra que adiante se desenrola, quando despida dos seus floridos atavios.
Contou-ma uma pobre mulher que encontrei na mesma Ilha dos Amores, acocorada ao pé duma árvore gigantesca, na face estampada uma melancolia sugestiva.

«Há de haver cem ou duzentos anos — quem sabe lá bem ao certo? — viveu aqui uma menina muito linda, que era filha, se­gundo diziam, filha bastarda, já se vê, dum rei de Portugal.
Dizem que tinha uns olhos tão lindos, tão lindos, que quem a olhasse uma vez, ficava logo escravo da princesinha. Quando sol­tava os cabelos sobre os ombros, o sol fazia-os brilhar tanto, que cegavam. Quando se lhe ouvia a voz, todos tinham vontade de chorar.
— De chorar?
— Porque ficavam bem certos de que não tinham merecimen­tos para agradar a tão bonito rouxinol.
Essa menina, porém, passava entre o povo por ser feiticeira. Até se dizia que já tinha encantado muitas pessoas, convertendo-as em flores, e rios e não sei se estrelas. Coisas do povo, já se vê: mas era o que corria para aí, por toda a gente.
Ora um dia, veio aqui um príncipe estrangeiro, muito lindo e viu-a e amou-a logo. Procurou-a para lhe falar e ela recebeu-o, com agrado, mas, apenas ele lhe disse o muito que a adorava, pôs-se a rir, como uma perdida.
— A princesa ri? estranhou o príncipe.
— Rio. É que o príncipe julga-se muito bonito e é feio como os pecados.
— Eu? murmurou ele despeitado.
— O príncipe é um sapo.
Não gostou o mancebo daquela brincadeira de mau gosto e fez sinal de se retirar.
Ela, porém, deteve-o e disse-lhe tristemente:
— Vê como acertei! Não me convinha para esposo um homem que tem vaidade tão excessiva. Que maior fealdade do que o dema­siado amor próprio?
Meu príncipe: a beleza da alma é a única que tem valor.
E despediu-o, com certo desdém.

Por esse tempo vivia em Guimarães um anão muito feio, de olhos estoirados, boca larga e delgada, e cabeça disforme, cheia de cabelos raros e duros.
Andava o príncipe estrangeiro muito desconsolado pêlos arra­baldes de Guimarães, quando a figura do anão se lhe defrontou...
Riu-se o belo príncipe daquela figura exótica, mas o pigmeu, saudando-o, disse-lhe:
— Deus o salve, senhor príncipe. Que pena ser tão feio!
— És então bonito tu? respondeu o belo moço com duro sarcasmo
— Oh! muito mais belo, porque não tenho orgulho no coração. Sei que sou hediondo e resigno-me com a minha sorte e conten­to-me com o destino que Deus me deu.
— Olha lá — disse o príncipe — conheces uma linda princesa que vive em Vizela?
— Tenho ouvido falar.
— Pois anda daí comigo.
Obedeceu o anão imediatamente. Caminharam, por muito tempo, sem dizerem palavra, até que à entrada de Vizela, o pobre anão perguntou:
— Que vou eu fazer à presença de tal formosura? Ë para vos rirdes de mim?
— Anda daí, respondeu o príncipe secamente. (continua)

13.11.06

Nomes prá história

Dr. JOSÉ PEREIRA REIS


O doutor José Pereira Reis, falecido em 1887, foi lente ilustre da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, publicista distinto e clínico abalizado.
A sua clientela era constituída pelas melhores famílias do Porto, que muito o apreciavam, não só pelo seu saber, como pelas suas maneiras afá­veis, pelo seu bom humor e pela sua graça genui­namente portuguesa.
De aspecto ordinariamente fleumático, só se entusiasmava, a bem dizer, quando lhe era dado proclamar as excelências das águas de Vizela.
Então, era velo falar alto, gesticular, para melhor acentuar o significado das suas afirmações laudatórias.
Todos sabiam que para o doutor José Pereira Reis, as águas de Vizela curavam as mais diver­sas enfermidades.
A ele alude Pedro Ivo, num gracioso conto, com o título «A Mosca», publicado em «O Comércio do Porto», em 1874.

Lê-se nessa obra literária o seguinte trecho:
«Bom médico e boa pessoa... um pouco absoluto em certas coisas como medico... Por exemplo, nos artigos dieta e Vizela, intolerante. A gente da terra ainda nem sequer pensou no que lhe deve. Só ele, à sua parte, tem feito ir a Vizela mais gente do que todos os outros médicos reuni­dos. Vizela é a sua ideia fixa, o seu amor e quase se pode dizer a sua filha, pois, se ela mais não tem medrado, não é por culpa dele... E ele tem razão... Quem cá vem nunca se arrepende».

Sobejos motivos tem, pois, Vizela para ser grata à memória do Dr. José Pereira Reis.
Inscreveu-lhe o nome numa das suas ruas. Cumpriu, simplesmente, um dever.
Vizela tem tido grandes e dedicados amigos. O Dr. Pereira Reis foi, sem dúvida, dos maiores.

Janeiro, 1929.
Bento Carqueja
Professor da Universidade do Porto.

Em 1881 formou-se uma comissão médica, que teve o Dr. José Pereira Reis, como presidente, a fim de aconselhar a direcção da Companhia de Banhos de Vizela em tudo que dissesse respeito à organização do serviço médico.

Como vimos já, o Dr. Pereira Reis, foi uma figura importante na história de Vizela e pena é que a moradia onde viveu esteja em ruína eminente, como se pode ver na foto.



5.11.06

Nomes prá história

José Joaquim da Silva Pereira Caldas

Nascido na freguesia de S. Miguel a 26 de Janeiro de 1918, José Joaquim da Silva Pereira Caldas, filho de António Pereira da Silva e de Maria José Alvares, foi provavelmente um dos maiores filhos de Vizela, do Século XIX.
Deixou-nos um longo e valioso acervo bibliográfico (que pode ser consultado na Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães), profusamente descrito no Dicionário Bibliográfico de Innocencio Francisco da Silva, além da sua completa e extensa biografia, sendo de ressalvar as seguintes obras: Bosquejo noticioso sobre Caminhos de Ferro. Vila Verde, 1898; Carta etymologica ao Distincto Jornalista Democrata João Chagas. Braga, 1891; Cartas do Professar Pereira Caldas do Lyceu Nacional Bracarense ao antigo discípulo mathematico Candido de Figueiredo. Braga, 1874; Culto das águas. Braga, 1881; Datas romanas e datas vulgares. Braga, 1886; Exposição crítica do processo do julgamento de Jesus Christo. Braga, 1855; Felicitação pelas Victorias Pátrias Africanas. Braga, 1896; Homenagem a Camões. Braga, 1883; Homenagens Centonicas em versas de Camões. Braga, 1884; Indiculo genérico das virtudes curativos das aguas sulphurosas das Caldas de Visella. Braga, 1854; No centenário do Marquez de Pombal. Braga, 1882; Noções therapeuticas sabre o uso e abuso das aguas sulphurosas. Porto, 1852; Notícia Archeológica das Caldas de Vizela. Guimarães, 1852; Noticia Archealogica das Caldas de Visella. Braga, 1853; Noticia topographica das Caldas das Taipas. Braga, 1854; Numisma Celtiberico. Braga, 1901. Proposta justificada para novos compêndios no curso mathematico na Liceu de Braga. Braga, 1890; Tábuas simplíssimas de Logarithmos. Braga, 1855. Uma inscripção romana de Caria de Lamego. Braga, 1883: Versão interlinear da Historia Romana. Braga, 1853; Versão latina do Soneto de Camões — Alma minha gentil, que te par­tiste. Braga, 1890; Vindicação da prioridade do fabrico de papel com massa de madeira. Braga, 1867. Esta última obra surge como, resposta à pretensão de alemães e franceses chamarem a si a glória do invento da fabricação de papel partir de pasta vegetal., que como já foi dito num outro artigo, este é um invento de que Vizela se pode orgulhosamente ufanar.

José Joaquim Pereira Caldas era íntimo de Francisco Martins Sarmento e são inúmeras as cartas trocando ideias, solicitando conselhos e dando alvitres, sobre os mais variados assuntos, que os dois arqueólogos trocaram entre si.

Foi um distinto professor de matemática, filosofia e medicina, tendo sido sócio honorário de diversas instituições e academias, sendo sócio correspondente em muitas outras academias.

31.10.06

Nomes prá história




Prof. Francisco Armindo Pereira da Costa

O professor Francisco Armindo Pereira da Costa foi um homem que sempre se dedicou à sua terra, de alma e coração.
Nasceu no dia 15 de Março de 1906 e faleceu a 3 de Outubro de 1982 e era filho do professor, Domin­gos da Costa e de D. Idalina Pereira da Costa, também professora primária.
O seu real talento nunca foi apro­veitado, muito devido aos seus ideais políticos. Era homem de «antes quebrar que torcer» e jamais aceita­ria, fosse o que fosse, para trair os seus ideais, mesmo com prejuízo da sua vida social, pois sempre optou por renunciar ao que lhe queimava as mãos e, até a ajuda dos seus amigos nos momentos difíceis.

Foi ensaiador, actor e criador, de fabulosas peças teatrais que eram apresentadas no antigo Cine Parque, em Salões Paroquiais e até na Casa do povo, criando um grupo Cénico de prestígio.
Mas a sua grande luta e o seu maior empenho era trazer à luz do dia a história da sua terra natal, desde a época anterior à romanização até aos dias de hoje, dedicando-se afincadamente, à pesquisa de vestígios arqueológicos, que não foram devidamente acautelados pela então Câmara de Guimarães, a exemplo daquilo que, anos mais tarde, foi feito na Praça da Republica, com muitos dos azulejos que atestam a presença romana na nossa terra…

A ele se deve a descoberta da Cista de S. Bento, sepultura celtibérica que se encontra na montanha sagrada de S. Bento a que, erradamente, se atribui origem romana…
Foi fundador do Notícias de Vizela, jornal do qual foi durante muito tempo o seu único redactor.

Publicou a sua obra-prima (1965) “Ad. Perpetuam”, utilizando o seu pseudónimo de sempre: Júlio Damas, obra importante na história e para a história de Vizela (era necessário fazer uma nova edição desta obra, pelo seu valor histórico…), “Vizela, Tagilde e S. Gonçalo”, (1970) obra importante para conhecermos a história do santo casamenteiro. Publicou ainda “O filho do Bombeiro”, “Poesias de Bráulio Caldas”. A morte não o deixou terminar duas das obras que tinha em preparação: uma biografia sobre o Abade de Tagilde e “Tarásia”, uma novela medieval.

30.10.06

Nomes prá história

António Alves Teixeira, O Vizela

“Um outro artista, com menor representação, infinitamente mais humilde, duma encantadora simpli­cidade, mas possuidor de reais condições para vir a ser um invulgar pintor chamava-se António Alves Teixeira, que pouco depois de ter entrado na antiga Academia Portuense de Belas-Artes e não demorar em ser notado por mestres e condiscípulos, recebeu o cognome de Vizela por justamente ser esta a terra da sua natura­lidade. Dizem os seus raros biógrafos que o moço vizelense viera para o Porto em 1854 iniciar os seus estudos de pintura. Embora aos sete anos de idade (!) tivesse dado mostras de natural e invulgar disposição para as artes, esculpindo em ardósia uma ingénua e delicada figurinha, a verdade é que só aos dezoito deu início aos seus aturados estudos na citada Academia Portuense.


A propósito deste artista, es­creveu Manuel Maria Rodrigues - outro minhoto a quem a crítica de arte não poucos serviços ficou de­vendo - as palavras que passo a transcrever do último fascículo da excelente revista «Arte Portuguesa», que em 1882, sob a égide do genial Soares dos Reis e Joaquim de Vasconcelos, teve a colaboração dos nos­sos melhores artistas e escritores:
«António Alves Teixeira, mais conhecido pelo apelido Vizela, nascera em 3 de Junho de 1836 na freguesia de S. Miguel das Caldas de Vizela, sendo filho de Domingos Alves Teixeira, artífice laborioso, e de Maria Pereira. As suas tendências para as belas-artes manifestaram-se em tenra idade, tendo apenas sete anos quando esculpiu em lousa uma pe­quena imagem. Apesar de tão felizes disposições, seus pais desejavam que ele fosse para o Brasil, e nesse intento tinham-lhe conseguido passagem em um navio que saia do Porto, quando se lhe deparou aqui um artista, que adivinhando-lhe a vocação, o levou con­sigo para Lisboa. Passado tempo, porém, o pequeno artista viu-se obrigado a regressar a casa de seus pais, e estes, convencendo-se afinal de que a melhor carreira que ele podia seguir era a das belas-artes, obtiveram-lhe agasalho nesta cidade para poder frequentar a Academia, onde se matriculou em 1854, sendo sempre o primeiro do seu curso, apesar da falta de recursos pecuniários o obrigarem a prolongar as férias indefi­nidamente, a fim de obter os meios de subsistência por meio de trabalhos que fazia de mera curiosidade, como imagens de madeira, pintura das mesmas, douramentos, etc.».
Mais adiante refere ainda o crítico: «Concluído o curso de pintura, o artista regressou à terra do seu berço onde casou, sendo assaltado no meio de uma vida quase de penúria, pela doença que o matou e que já se havia pronunciado ainda quando estudante. Os seus antigos condiscípulos, sabendo as priva­ções com que lutava, agravadas pela dolorosa enfer­midade que padecia, promoveram-lhe uma subscrição mensal aconselhando-o ao mesmo tempo a que viesse ao Porto para consultar os médicos. Infelizmente os seus sofrimentos recrudesceram, até que no dia 2 de Agosto de 1863 a morte pôs termo aos seus dias e às suas desventuras».


O jovem e enfermo Artista havia apenas dado os primeiros passos na sua auspiciosa carreira, e estes, em vários aspectos, já de certo modo nos asseguravam o valor temperamental de quem tão expressivamente se iniciava. O Pintor mal teve tempo de iniciar uma obra que, pela sua estrutural originalidade, conquis­taria invulgar posição no meio artístico português. Mas a morte, sempre pérfida e inexorável, não per­mitiu que um tão belo temperamento chegasse a completar-se de forma absoluta. Foi uma luz que se extinguiu ao despontar dum admirável e prometedor alvorecer e a Arte Nacional perdeu uma das suas mais nítidas e valiosas espe­ranças.


Com os meus agradecimentos ao Arnaldo Macedo (www.amac70.blogspot.com/ ) por ter transformado uma simples fotocópia num retrato belíssimo do nosso antepassado. Um abraço amigo