24.8.06

Banhos de Caldas (III)
por Ramalho Ortigão

Não eram grandes os divertimentos que a terra proporcionava então ao banhista e ao viajante. Em honrada verdade devo mesmo acrescentar que esses divertimentos eram nenhuns. Cada um inventava para seu próprio uso os meios de se entreter. Havia a conversação na botica, no barbeiro, na loja do Bento da ponte, e ao pé dos banhos, debaixo do alpendre. E nada mais.
Mas faziam-se partidas de pesca no rio, à linha ou com o mingacho, uma rede semelhante aos camaroeiros, da mesma forma das que se usam para caçar os insectos.
Como a estação se prolonga desde o meados do mes de Maio até o fim de Outubro, caçava-se do mes de Agosto em diante, ás codornizes nos restolhos, e ás perdizes e ás lebres nas serras adjacentes.
Depois havia os passeios à Cascalheira, as digressões a Braga, a Guimarães, a Fafe, as romagens ao Bom Jesus do Monte, os pic – nics, as burricadas.
A localidade é, além disso, muito interessante para os estudos arqueológicos. Algumas piscinas conservam ainda relíquias de mosaico, fragmentos de antigas obras de mármore, do tempo da dominação romana. Em escavações empreendidas nestas paragens, não só no próprio circuito dos banhos, mas nas suas redondezas, acham-se toros de colunas, capiteis, argamassas, tijolarias, lápides com inscrições, moedas e medalhas. Estas são romanas ou celtibéricas; das segundas possui um exemplar primoroso o ilustre académico Pereira Caldas, professor do liceu nacional de Braga; as primeiras são do tempo de Tibério, entre as lápides encontradas em Vizela há uma de Tito Flávio Archelau, legado augustal na Lusitânia nos anos 80 a 90 depois de Cristo, no reinado do imperador Dauriciano, edificador em Roma de umas termas famosas. Esta lápide, com a configuração de cimalha de pórtico, acha-se recolhida na quinta de Aldão, do concelho de
Guimarães, e tem a seguinte inscrição:

DEDICAVIT
T. FLAVIVS. ARCHELAVS
CLAUDIANVS
LEG. AVG.


Outra lápide com inscrição foi encontrada no Mourisco em 1841, e conserva-se hoje no quintal da Sr.ª D. Maria da Costa, junto da ponte Velha do Vizela, na margem esquerda deste rio.
Há ainda na quinta do Paço, em S. João das Caldas, uma lápide votiva ao deus Bormanico como a que existe na propriedade da Sr.ª D. Maria da Costa. A lápide que se acha na quinta do Cyrne, segundo, diz Emilio Hubner, ou na quinta do Paço, segundo nos informa o digno professor Sr. Pereira Caldas, tem a inscrição seguinte:


C. POMPEIVS
GAL. CATVRO
NIS. F (il). (r) E (et)
VGENUS. VX
SAMENSIS
DEO. BORMA
NICO. V. S. L. M
QVISQVIS. HO
NOREM. AGI
TAS. ITA. TE. TVA
GLORIA. SERVET
PRAECIPIAS
PVERO. NE
LINAT. HVNC
LAPIDEM

São dignas, ainda da atenção dos antiquários uma furna que existe no monte de Lijó e uma antiga capelinha, situada no monte da Santa, freguesia de Santo Adrião. Defronte desta capela, na freguesia de Tagilde, na margem direita do Vizela, fica o lugarejo da Arriconha, onde nasceu S. Gonçalo de Amarante.

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