18.11.06

Recordações de Vizela - António Figueirinhas - Porto 1901


A Ilha dos Amores (Fim)

Procuraram, por muito tempo, a princesa, mas debalde, e já o príncipe dava mostras de completo desespero, quando o anão, sorrindo, observou:
— Só eu a posso descobrir, e contudo, nunca a vi.
— Tu?
— Uma preciosidade dessas não vive em casa, como nós. Há-de viver em algum ignorado paraíso, onde espera um homem que seja bem digno do seu amor.
— És tolo...
— Pois sim. Mas siga-me.
Então o anão subiu às alturas de Barrosas e pôs-se a examinar bem o horizonte.
Momentos depois, exclamou:
— Já sei!
E apontava com o dedo, comovidamente.
— Já sei; é ali, na Ilha dos Amores. Em parte nenhuma, como naquele sítio, a verdura tem uns tons de doce brilho e frescura. É ali. Parece que a oiço falar, ou antes, cantar, como irmã das espumas e das flores, que ela deve de ser.
E desceu, seguido pelo príncipe.
Efectivamente, a princesa lá estava na Ilha dos Amores, pen­teando os seus cabelos d'oiro e cantando tão bem, que a sua voz se confundia com a dos rouxinóis.
E, apenas os avistou, levantou-se vivamente, e com grande alegria, bradou:
— Obrigada, príncipe, obrigada!
Julgou o estrangeiro que o festejava pela sua visita e, assim, renovada a sua vaidade, curvou-se para ela muito desvanecido, mas a bela menina, os olhos muito brilhantes, tomou a mão direita do anão e exclamou:
— Obrigada, príncipe, por me trazeres este belo mancebo!
— Como?! rugiu o príncipe, furioso. Chamais belo a este monstro?!
— Belo, encantador, divinal! Veja que grande alma se não lê nestas feições! Que modéstia natural! Que coração delicado e puro!
E a formosa princesa atraiu para si, com transporte, o anão e beijou-o na fronte, com entusiasmo.
O anão estava enleiado e confuso, mal podendo fitá-la, e o príncipe, então, começou a chorar de desespero.
Mas a princesa tantos beijos deu na fronte do pobre anão, que este de repente, cresceu; as faces desenrugaram-se e branquearam; os olhos ganharam uma cor bela e doce; a boca, fez-se graciosa e pura; e uma formosura enorme, finalmente, substituiu, de súbito, tanta miserável hediondez.
Assim formoso, porém, a sua modéstia natural era o que nele continuava a brilhar mais, pelo que a princesa exclamou, trans­portada de alegria:
— Hás-de ser tu o meu esposo!
O príncipe estrangeiro então levou de repente, a mão à espada e, num gesto furioso, fez o sinal de matar o seu rival.
Suplicava-lhe ela que o poupasse, mas ele, cada vez mais cego de furor, não atendeu e levantou a espada à altura da cabeça, despedindo um grande golpe.
— Ai! príncipe!
Este queixume, que foi muito dolorido, soltava-o ela, porque a espada do desesperado fendera, ao mesmo tempo que o anão, a graciosa cabeça da linda menina, e o assassino viu, com espanto, que as suas vítimas ficaram enlaçadas, e, começando a reparar mais, viu ainda que estavam convertidas em plantas.
Veja, meu senhor. São estas duas árvores a que me encosto. Não vê bem esta, forte, grossa, cheia de flores e folhas, enlaçada por esta mais fina, que sobe pela outra acima, muito delicada e perfumada?


Pois a árvore mais forte dizem que é o anão, e esta, muito bonita e voluptuosa, a cingir o tronco da companheira, dizem que é a linda princesinha.
Estas árvores também definham, mas logo aparecem na pompa
das folhas e das flores. Os passarinhos fazem aqui os seus ninhos e cantam muito e muito. Agora, o príncipe estrangeiro...
— Morreu de remorsos? perguntei eu, deveras interessado.
— É essa pedra, cheia de musgo, em que o senhor está sentado. Apenas viu os dois, em mudança tão grande, fez-se pedra e ali está defronte das duas árvores, cheia de musgo, fria, como uma coisa desprezível e calada.

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