A ILHA DOS AMORES
(…) Conhece a Ilha dos Amores, aqui de Vizela?
A Ilha dos Amores é uma das preciosidades mais deliciosas de Vizela.
Ali nota-se a frescura encantadora, em verdes matizes de eterno veludo suave, que parece constantemente orvalhado pelos aljofres mais cintilantes. Fica na baliza do rio navegável, como um braço fantástico à tona de espumas divinas.
Por ali a vegetação é luxuriante e vetusta, tão alto se elevam as copas daquelas árvores alterosas e opulentas, coroadas de miríades de flores e folhas variegadas, as raízes tenacíssimas e perfurantes, parecendo suster o solo, com os seus mil braços entrecruzados, à tona das águas deslizantes e cantantes.
As sombras daquela pequena floresta sagrada, onde há surpresas duma delicadeza subtil, têm caprichos que lembram bosquejos de sonhos muito doces, muito íntimos, cortados de paixões serenas e sadias, de emoções vivas, puras, aromáticas, das que vêm do coração à procura de muitos corações generosos.
E, para que nada falte à Ilha dos Amores, lendas adoráveis e na sua maior parte alentadoras, coroam o belo recinto duma carícia meiga e doce.
Uma delas, porém, é triste como os visos da serra que adiante se desenrola, quando despida dos seus floridos atavios.
Contou-ma uma pobre mulher que encontrei na mesma Ilha dos Amores, acocorada ao pé duma árvore gigantesca, na face estampada uma melancolia sugestiva.
«Há de haver cem ou duzentos anos — quem sabe lá bem ao certo? — viveu aqui uma menina muito linda, que era filha, segundo diziam, filha bastarda, já se vê, dum rei de Portugal. 
Dizem que tinha uns olhos tão lindos, tão lindos, que quem a olhasse uma vez, ficava logo escravo da princesinha. Quando soltava os cabelos sobre os ombros, o sol fazia-os brilhar tanto, que cegavam. Quando se lhe ouvia a voz, todos tinham vontade de chorar.
— De chorar?
— Porque ficavam bem certos de que não tinham merecimentos para agradar a tão bonito rouxinol.
Essa menina, porém, passava entre o povo por ser feiticeira. Até se dizia que já tinha encantado muitas pessoas, convertendo-as em flores, e rios e não sei se estrelas. Coisas do povo, já se vê: mas era o que corria para aí, por toda a gente.
Ora um dia, veio aqui um príncipe estrangeiro, muito lindo e viu-a e amou-a logo. Procurou-a para lhe falar e ela recebeu-o, com agrado, mas, apenas ele lhe disse o muito que a adorava, pôs-se a rir, como uma perdida.
— A princesa ri? estranhou o príncipe.
— Rio. É que o príncipe julga-se muito bonito e é feio como os pecados.
— Eu? murmurou ele despeitado.
— O príncipe é um sapo.
Não gostou o mancebo daquela brincadeira de mau gosto e fez sinal de se retirar.
Ela, porém, deteve-o e disse-lhe tristemente:
— Vê como acertei! Não me convinha para esposo um homem que tem vaidade tão excessiva. Que maior fealdade do que o demasiado amor próprio?
Meu príncipe: a beleza da alma é a única que tem valor.
E despediu-o, com certo desdém.
Por esse tempo vivia em Guimarães um anão muito feio, de olhos estoirados, boca larga e delgada, e cabeça
disforme, cheia de cabelos raros e duros.
Andava o príncipe estrangeiro muito desconsolado pêlos arrabaldes de Guimarães, quando a figura do anão se lhe defrontou...
Riu-se o belo príncipe daquela figura exótica, mas o pigmeu, saudando-o, disse-lhe:
— Deus o salve, senhor príncipe. Que pena ser tão feio!
— És então bonito tu? respondeu o belo moço com duro sarcasmo
— Oh! muito mais belo, porque não tenho orgulho no coração. Sei que sou hediondo e resigno-me com a minha sorte e contento-me com o destino que Deus me deu.
— Olha lá — disse o príncipe — conheces uma linda princesa que vive em Vizela?
— Tenho ouvido falar.
— Pois anda daí comigo.
Obedeceu o anão imediatamente. Caminharam, por muito tempo, sem dizerem palavra, até que à entrada de Vizela, o pobre anão perguntou:
— Que vou eu fazer à presença de tal formosura? Ë para vos rirdes de mim?
— Anda daí, respondeu o príncipe secamente. (continua)