23.8.06

Banhos de Caldas (I)
por Ramalho Ortigão

Nesta minha demanda por coisas de Vizela, referi já alguns dos escritores, poetas, romancistas, jornalistas e outros que, nos tempos áureos das termas e no período do romantismo por excelência, aqui passavam parte do seu tempo de férias e, não raras vezes, escolhiam esta terra e alguns dos seus melhores recantos para desenvolverem os tramas dos seus romances, ensaios ou simplesmente como impressões de viagens ou estadia.

O autor das “Farpas” foi um desses insignes jornalistas que discorreu sobre Vizela, no seu livro “Banhos de Caldas”, escrito em 1875, do seguinte modo
:


“A freguesia de Vizela está situada a cerca de 5 quilómetros da cidade de Guimarães, no coração do Minho. É um vale ameníssimo coberto de vegetação ensombrado de carvalhos e de castanheiros, rodeado de campos de milho enquadrados em renques de árvores de que pendem as vinhas, banhado pelas águas do rio Vizela, que atravessa a povoação. Na margem direita fica a Lameira, a parte mais povoada; na margem esquerda está situado o Mourisco. Uma ponte de pedra comunica as duas margens. O que escreve estas linhas recorda-se, ao traça-las, da primeira manhã que passou nestas caldas há dezoito anos.
Chegara na véspera, de noite, a cavalo numa mula, embrulhado no seu capote de jornada, com uma clavina no arção do selim ao longo de uma das bolsas do alforge, conforme o uso de todos os que nesse tempo viajavam no Minho. Tinha atravessado, guiado por um almocreve, a serra da Falperra cortada de fundos barrocais em que a agua dos veios que corriam chapinhava contra os estribos de pau; e as madressilvas suspensas em grossos festões dos valados musgosos envolviam os caminhantes.
Era no princípio de Junho. Cantavam os rouxinóis nas balseiras. Das elevações da serra descobria-se a imensa paisagem que se desenrola até o mar, banhada pelo luar que batia as casinhotas brancas do santuário do Bom Jesus, atufadas entre as grandes massas escuras do arvoredo. Ouvia-se o gemer dos pinhais e das carvalheiras com um murmúrio solene e monótono como o das vagas, cortado a espaços pelo tilintar dos choca1hos de uma récua de machos que ia ao longe guiado por uns almocreves; e de quando em quando um coelho surpreendido e assustado atravessava com dois pulos, por diante de nós, o carreiro dos viandantes.”

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